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Olá Doçuras!

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

‎(...) Que é da natureza da dor parar de doer, tenho aprendido.

... Não tenho escrito com mais freqüência porque não tenho tempo: passo a
manhã inteira na faculdade, a noite no curso de arte dramática, à tarde preciso
estudar (estamos em exames), escrever, filmar, fazer montes e montes de coisas.
Ando muito esgotado, durmo só umas cinco horas por noite (logo eu, que se
pudesse dormia umas 20), andei também ruim do coração, meu ritmo cardíaco
estava a mais de 200 pulsações por minuto, precisei fazer um tratamento, não
posso fazer esforço, nem tomar álcool, estou proibido de fumar mas não ligo.
Algumas brigas terríveis em casa: andei fazendo umas experiências com mescalina,
meus pais descobriram, foi aquele forró. Ando deprimido, agressivo, cansado —
perdi uns cinco quilos: pareço um fantasma, tenho insônia e pesadelos horrendos,
idéias negras durante a noite. Hildinha, se você soubesse como ando escuro, como
ando perdido, como me distanciei de mim e das coisas em que acreditava: tenho
participado de festas louquíssimas, na base da maconha, da nudez, jogo da verdade,
bacanais, surubas. Por favor, queria tanto que me compreendesses. Ando muito
sozinho, nessas festas se reúnem artistas plásticos, atores, atrizes, escritores —
todos jovens, perdidos, desesperados — é uma coisa terrível. Chega a ser
comovente a maneira errada como eles buscam a pureza, como eles tentam se
convencer que os bacanais são a forma mais absoluta de comunicação: finjo o
tempo todo, rio, sou alegre, dispersivo, com aquele brilho superficial e ridículo. E
em cada fim de noite me sinto um lixo. Há tempos estou vivendo uma estória-deamor-
impossível que rebenta a saúde: sei que não dá pé de jeito nenhum e não
consigo me libertar, esquecer — estou completamente fixado nessa pessoa, vivo
todas as horas do dia em função de encontrá-la, à noite. E insuportável. Sei que
estou me autodestruindo, mas isso já não me assusta: penso se não será melhor
afundar, afundar até acabar numa clínica
tempo todo, rio, sou alegre, dispersivo, com aquele brilho superficial e ridículo. E
em cada fim de noite me sinto um lixo. Há tempos estou vivendo uma estória-deamor-
impossível que rebenta a saúde: sei que não dá pé de jeito nenhum e não
consigo me libertar, esquecer — estou completamente fixado nessa pessoa, vivo
todas as horas do dia em função de encontrá-la, à noite. E insuportável. Sei que
estou me autodestruindo, mas isso já não me assusta: penso se não será melhor
afundar, afundar até acabar numa clínica. A juventude de Porto Alegre é uma coisa
terrível: 90% de viciados em tóxicos, todos fugindo de si, das máquinas, do fazer alguma-
coisa. Acho que quem está de fora não pode condenar, condenar
simplesmente é desprezível — é preciso compreender. Existe uma sede de amor
impressionante.
impressionante. Estou sendo muito honesto ao te contar essas coisas, poderia
facilmente escondê-las: sei que me arrisco a te chocar, te ferir, te agredir. Mas eu
nunca quis ser gostado por aquilo que não sou ou aparento ser.
facilmente escondê-las: sei que me arrisco a te chocar, te ferir, te agredir. Mas eu
nunca quis ser gostado por aquilo que não sou ou aparento ser. Não vejo saída,
Hildinha, sinto que cada vez mais tudo se fecha. Também não adianta pedir ajuda a
ninguém, ninguém pode dar. Talvez isso passe, não sei quando, talvez seja só uma
fase, das mais difíceis que atravessei, mas até passar estarei me desgastando, me
consumindo. Tenho chegado a extremos que não me julgava capaz. E como isso
dói
Hildinha, sinto que cada vez mais tudo se fecha. Também não adianta pedir ajuda a ninguém, ninguém pode dar. Talvez isso passe, não sei quando, talvez seja só uma fase, das mais difíceis que atravessei, mas até passar estarei me desgastando, me consumindo. Tenho chegado a extremos que não me julgava capaz. E como isso dói...  A inveja é um fato: certas pessoas têm me agredido muito, na faculdade, na rua, geralmente intelectuais no mau sentido, frustrados e medíocres. Tenho horror desses
rebucetes, rodinhas e frescuras literárias: procuro ficar na minha, sempre
rebucetes, rodinhas e frescuras literárias: procuro ficar na minha, sempre. Digo a
todos os repórteres que não me sinto um escritor: que sou só um ser humano
procurando um jeito de viver. E que talvez esse jeito seja escrever, sei lá. Meu livro
está quase pronto, deverá ser lançado em breve. Queria tanto que alguém me
amasse por alguma coisa que eu escrevi.  
amasse por alguma coisa que eu escrevi.  Não sei mais o que te escrever, estou muito confuso, muito distraído. Pressinto muito próximo o fim de alguma coisa que não sei especificar qual seja. Mas não se preocupe muito comigo, não vale a pena. Acho que sou bastante forte
para sair de todas as situações em que entrei, embora tenha sido suficientemente
fraco para entrar. Não faço planos, não sei o que vai acontecer amanhã.
para sair de todas as situações em que entrei, embora tenha sido suficientemente
fraco para entrar. Não faço planos, não sei o que vai acontecer amanhã. É só,
Hildinha. Um beijo enorme do seu,
Caio Fernando Abreu.
PS — Depois de reler — não é tão grave assim. Fui muito dramático. Faça
boas vibrações por mim. Por favor, compreenda tudo. E escreva logo.
Abraços no Dante.

Caio Fernando Abreu. Carta a Hilda Hilst

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